A Naughty Dog volta a padronizar a qualidade num videojogo com a última caça ao tesouro de Nathan Drake.
Notas:
- O texto é um resumo da análise original.
- Todas as imagens são capturas in-game.
Detentora de um historial invejável, a série Uncharted é das mais conceituadas da indústria e A Thief's End só vem justificar esse facto. O jogo de ação-aventura da Sony traz uma campanha com boa longevidade, permeada de traços mais minimalistas e de uma certa tranquilidade, não arriscando demasiado na fórmula. Porém, introduzem-se novidades e mantêm-se muitos dos predicados da série. Não é um jogo impecável nem se sobrepõe aos dois títulos anteriores, mas não é por isso que deixamos de estar na presença de material com imensa qualidade.
Irmãos
Na superfície, a história é simples e não foge muito ao habitual: há um objetivo, uma razão para o perseguir e obstáculos, mas, desta vez, é uma história mais pessoal, com o protagonista mais normalizado no quotidiano. Não obstante a previsibilidade e, por vezes, o clichê, a narrativa de Uncharted 4 tem qualidade, pelo que o evitar do condicionamento desta pelos fatores referidos foi conseguido através de técnicas de escrita bem manuseadas, como o correto doseamento e timing dos elementos de menor atributo, mas essenciais. A exploração das personagens e da ligação entre elas (realce para a introdução do irmão do protagonista e respetiva construção); o ritmo do guião, que, mesmo tendo um início lento, é excecional; o encaixar dos pivôs narrativos (incluindo o arco narrativo da série) e das pontes para os capítulos anteriores, que sucede natural e exemplarmente, sobretudo na zona que precede o segmento final do jogo; os eventos de maior impacto bem posicionados e equilibrados; os diálogos notáveis (aqui, Uncharted 4 é o melhor da série); o paralelismo entre esta última aventura de Nathan e o facto de este ser o último jogo da série, funcionando quase como uma subliminar quebra da quarta parede; e a qualidade do texto documental e do lore. Estas são algumas das vantagens que a narrativa oferece. Já pelo lado menos bom, acuse-se alguma falta de originalidade e imaginação, a já mencionada previsibilidade e, de certa forma, a interioridade da trama, que nunca transmite uma mensagem ou encara fatores emocionais, filosóficos, etc., ou seja, a projeção narrativa. No geral, a narrativa sóbria e bem construída nunca sofre com as poucas falhas que sustém. Mesmo sem ter momentos gloriosos, cumpre bem a sua função e intercala-se com os outros departamentos técnicos facilmente. Acrescente-se ainda uma nota positiva para o final do jogo.
Um colosso técnico
Graficamente, há muito a dizer acerca de Uncharted 4. De uma forma sucinta, pode-se dizer que o grafismo é de uma enorme qualidade, todavia, está impregnado de várias falhas de pequena dimensão, que, apesar de não ferirem o departamento gráfico, mancham-no. Começando então por essas "agulhas": várias sombras têm uma baixa resolução e tremores por vezes notórios; a sombra de Nate desaparece através da mira telescópica; no final do jogo há uma situação de descuido com uma nuvem de fumo de grande dimensão; ocasionalmente, há quedas de cadência, algumas intensas (o jogo corre a 30 fotogramas por segundo); numa certa área do jogo há um quadrado oscilante na parede que ficou por corrigir; noutro momento do jogo, há, ao longe, pessoas numa multidão que passam evidentemente através umas das outras; a deteção da colisão nem sempre é a melhor (apesar de haver uma melhoria face aos jogos prévios); algumas vezes, o carregamento de texturas (sobretudo em cinemáticas, que são em tempo real) falha, o que já é um problema de maior grau; certas texturas são demasiado sebáceas; as margens do mar na rocha, à distância, são retas; é possível, através de um glitch, ficar preso no interior do cenário; e, fenecendo, a mais grave das imperfeições: o jogo sofre, esporadicamente, de pop-ups, manifestos em áreas maiores. Ainda que muitos destes aspetos não sejam motivo de preocupação, é o seu número que enodoa a vertente gráfica. Positivamente, o grafismo, que, diga-se desde já, é excelente, conta com: aspeto colorido e polido esteticamente muito belo (as paisagens corroboram-no); efeitos de fogo e de água de grande qualidade; excelente vegetação; efeitos de luz deslumbrantes, com um sistema que altera a iluminação ao passar de interiores para exteriores e vice-versa; bons reflexos; animações e expressões faciais com brio; boas texturas, no geral; modelos de edifícios e personagens bem conseguidos; extraordinário uso de mapeamento de oclusão em paralaxe; neve, lama e areia exemplares; bom fumo em pequena escala; sol e seus efeitos bem trabalhados; espantosas condições atmosféricas; explosões bem recriadas; e bom serrilhamento. A propósito da física: é incrível, desde o molhar da roupa localizado ao vergar dos canos com o peso, passando ainda pela impressionante ação das ondas de choque, pelos deslocamentos de detritos e pela física da água.
Uma jogabilidade variada
A jogabilidade é, como nos habituou a série, bastante tersa e variada: a evidente fluidez, em conjunto com o bom ritmo e com os bons controlos, torna-a muito natural e articulada; a introdução do gancho e do pitão expande-a; a furtividade é muito boa e permite várias opções, com um novo sistema de deteção e marcação de inimigos; os puzzles e plataformas são deliciosos de se jogar; os tiroteios e combates são orgânicos e dinâmicos; e as escolhas mínimas de diálogo são uma importação interessante. Os poucos problemas que se podem enunciar são: a jogabilidade por vezes enrija devido a um rolamento algo refratário nos momentos mais intensos e má gestão da teleportação dos parceiros, que ocorre com demasiada frequência em espaços abertos, quando só devia ser permitida em situações injuntivas para evitar tempos de espera e fuga aos parceiros. Seja a nadar, a balouçar, a conduzir em água ou em terra, a jogabilidade é muito competente. Acrescentando a inteligência artificial à equação, diga-se que esta funciona bem na maior parte do tempo. Os inimigos são aptos, pelo que flanqueiam o jogador e protegem-se convenientemente. Os defeitos surgem quando estamos em momentos furtivos, situações onde é possível observar os companheiros a passarem mesmo à frente dos oponentes sem serem detetados, uma má lembrança de The Last of Us. Por vezes, estes também atrapalham o jogador. Outra falha da IA ocorre numa situação singular durante aquele que é provavelmente o capítulo mais importante do jogo. Nesta ocorrência há uma falha de IA gritante durante uma perseguição, vergonhosa até. Os scripts da multidão também não são perfeitos, ainda que não acusem loops. Refira-se também que existem algumas quebras da linha imersiva que ocorrem com pequenas faltas de atenção: fósforos molhados a acenderem, uma marca de bala numa porta principal que desaparece no regresso com câmara fixa ou um salto para a água de uma altura fatal, algo que já ultrapassou o limite do perdoável há uns anos. Ainda assim, nada de grave.
Viagens
Os cenários são magníficos. A escala, a arquitetura, o design de níveis e o ambiente são estupendos, não há queixas. As zonas mais abertas incentivam à exploração, mas nunca retiram o jogador da linearidade, o que perfaz uma conjuntura eximiamente traçada. As paisagens são um dos maiores atrativos do jogo. Os detalhes dos cenários são do melhor que já se fez, com os interiores recheadíssimos de objetos, que, simplesmente, não se repetem.
O padeiro junta-se ao norte
No que ao som concerne, A Thief's End apresenta muita qualidade. A prestações vocais são admiráveis, não só as de Nolan North e Troy Baker (o novo destaque do elenco), mas todas, existindo ainda uma boa sincronização labial. A sonoplastia é fenomenal. A banda sonora é boa, mas não haja dúvida de que perdeu com a mudança de compositor na série. Esta não tem o impacto do costume, não se adequa tão bem e a própria qualidade de composição fica aquém da dos anteriores jogos da série. Ainda assim, esta proposta musical, de laivos mais minimalistas e ténues, consegue ser boa.
Online
O multijogador passou por várias alterações, estando agora mais simples, o que é bom. O online corre a 60 fotogramas por segundo, um elemento essencial. É um modo competente, estando entre os melhores em jogos na terceira pessoa, e que oferece uma boa extensão ao jogo. As possibilidades estratégicas e de jogo em equipa são favorecidas. O sprint adicionado em Uncharted 3 foi retirado, uma decisão sábia. A simplicidade deste modo é bem-vinda depois de um capítulo anterior exagerado, pelo que este quarto jogo se situa entre o segundo e o terceiro em termos de complexidade dos modos online e, paralelamente, em termos de qualidade geral. A falha principal que nasce com esta entrega é o design dos mapas, que, agora de mais difícil execução devido à implementação da mecânica do gancho, não foi bem conseguido, havendo terrenos desnivelados demasiado juntos, poucos pontos estratégicos (a colocação de tesouros pelo mapa é uma tentativa falhada de resolver os problemas de escoamento nos mapas) e níveis de simetria demasiado baixos. Contudo, o multijogador, que tem agora um novo sistema de ranking, é bom e complementa bem o jogo.
Fora do jogo
Os menus são limpos e organizados e merecem uma aprovação extra pelo bom número de opções que oferecem. Pode-se ver o diário utilizado no jogo, desbloquear modelos 3D de personagens para ver numa galeria ao estilo daquela usada na série Batman Arkham, aceder a vários modificadores de jogo e filtros de ecrã (jogar em cel shading é especialmente interessante), alterar o áudio e ver arte conceptual. Agora também há mais opções de controlos pensadas para pessoas com limitações físicas, uma boa ação dos produtores. Outra adição positiva foi a possibilidade de reiniciar as cinemáticas em exibição no menu de pausa, apesar de a opção de vê-las a todas no menu principal já não existir (por serem renderizadas em tempo real). As estatísticas do jogo continuam presentes, todavia, perderam alguns contadores comparativamente aos jogos passados. No que toca à longevidade do jogo, Uncharted 4 é impecável, tendo a duração perfeita e ficando acima da fasquia dos capítulos anteriores. Em média, a campanha dura cerca de 15 horas, no entanto, a duração do primeiro playthrough para esta análise foi de 20 horas. Há também um bom número de colecionáveis (todos únicos), desde tesouros e entradas/notas para o diário até conversas opcionais. Os loadings não são muito frequentes, mas são extensos.
Extras (não fazem parte da análise ao jogo)
A dobragem para português é boa. Já no texto, os tradutores cometeram um razoável número de erros no próprio português, alguns flagrantes. Há também uma falha na tradução do inglês no final do jogo e uma ou duas piadas que não resultam tão bem em português e não foram bem contornadas.
Conclusão
Uncharted 4 é um grande jogo. Uma produção responsável e repleta de elementos bem trabalhados. Com um grafismo de topo, uma jogabilidade sólida e refinada, uma física impressionante, uma narrativa bem construída e explorada, um ritmo e design de níveis (na campanha) estupendos e uma duração perfeita, o exclusivo Sony é, à semelhança dos outros títulos da série, um padrão de qualidade na indústria. Por fim, mencione-se que os defeitos do jogo, como as pequenas farpas no departamento gráfico que podiam ter sido evitadas, as falhas da inteligência artificial e a banda sonora, que podia ser melhor, não abalam a qualidade geral do jogo. A Thief's End é altamente recomendado a todos os níveis. Uma vez mais, parabéns para a Naughty Dog.
NOTA FINAL: 92/100
Por: Elektrospektrus